quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

A natureza, afinal, se vinga

         
Vejamos como são os nossos administradores públicos que, antes de mais nada, são políticos e exercem suas atribuições em decorrência de terem sido eleitos pela vontade popular. Pressionados pela manifestação da natureza, que invariavelmente impõe suas vontades, vêm-se obrigados a tocar numa ferida que outra chaga, aberta em Angra dos Reis, mostrou que está longe de cicatrizar: a remoção de favelas. Eduardo Paes já fala hoje em acabar com 12 mil barracos só na Cidade do Rio de Janeiro, construídos em encostas instáveis, à beira de cursos d'água sujeitos a transbordamentos frequentes ou que tenham invadido áreas de proteção ambiental. Seu secretário de Habitação, Jorge Bittar, está com a incumbência de mapear as habitações a serem postas abaixo, em cem favelas cariocas. O Rio já tem mil delas.

Mas precisou, antes, que o Cabral, aquele que ainda não descobriu o Rio mas descobriu os contêineres, salivasse sangue quando criticado por sua demora em visitar a Costa Verde depois da tragédia do Ano Novo. Disse que não eram verdade os boatos de que estaria no exterior, mas também não explicou se estava, como declarara ser sua intenção para as Festas, descansando em sua casa de Mangaratiba, a não muitos quilômetros de Angra. Sua secretária de Ação Social – será a Benedita? – ressurgiu ontem, Dia de Santos Reis, explicando que estava cuidando da saúde, perdendo peso num spa em Campos, os dos Goytacazes, terra do chuvisco.

Mas, de volta ao Bittar e ao Paes, na terra, a nossa, a remoção propalada parece factóide, aquele tipo de medida bombástica que mexe com a imprensa quando anunciada, mas acaba não correspondendo à expectativa criada inicialmente. Um tipo de marketing político criado pelo craque Cesar Maia, o ex, que também inventou uma das maiores excrescências já pensadas em termos de planejamento habitacional: o favela-bairro. Um tipo de obra de 'urbanização' que cria um bairro de faz-de-conta para que o morador, por sua vez, faça de conta que virou cidadão. Prêmios internacionais à parte, é uma intervenção que jamais me convenceu, como também não o fez com uma incontável legião de cariocas de bom senso, ciosos de sua preocupação com a dignidade do cidadão.

Digo que parece porque foi exatamente no seio destas comunidades carentes que os então candidatos foram buscar grande parte de seus votos, com a promessa implícita de não tocar em seus lares, acenando com a benesse de vielas pavimentadas e redes de drenagem (pluvial e de esgotos) como se fazia com as bicas d'água de antanho. Afinal, desde a 'redemocratização' do país, remoção de favelas virou tabu e, até mais do que isso, lei, uma vez que a Câmara Municipal consagrou artigo banindo as remoções, na Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro, promulgada em 1990. Curiosamente, a legislação carioca é rígida ao tratar da preservação das encostas acima da cota 100, mas o poder público se cala diante de invasões que acontecem todos os dias, degradando a qualidade de vida de modo cada vez mais acentuado.

Há exatos 44 anos, em janeiro de 1966, muitas casas e, com elas, vidas se perderam na cidade, por conta da languidez das autoridades, que se omitiram diante da ocupação desordenada dos morros – a ponto de contribuirem para a silepse, hoje corriqueira, que faz com que se use a palavra morro, indistintamente, como sinônimo de favela. Poucos prefeitos, contudo, tiveram a coragem de enfrentar o problema e executar remoções. Carlos Lacerda (como governador da Guanabara) e Marcos Tamoyo (primeiro prefeito carioca depois da malfadada fusão com o antigo Estado do Rio) foram os únicos.

Desde os tempos do Império, estudos geológicos comprovam a inadequação do solo para construção, em vários locais do Rio de Janeiro. Especialmente em encostas. O reflorestamento da imensa área da Floresta da Tijuca, além de agir no sentido de recuperar os mananciais de uma cidade que estava ficando sem água, contribuiu para dar estabilidade ao relevo e aplacar o calor que predomina por aqui. É preciso retomar este conjunto de preocupações, que manifestam zelo para com o meio ambiente. Seja em prol da qualidade de vida dos habitantes como um todo, ou em nome de sua própria segurança, para o bem de toda a gente dessa terra maravilhosa.

Vamos adorar e aplaudir, se a seriedade se fizer impor, desta vez.


Bom Dia, Rio!

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabéns Marcelo, fico feliz pelo seu belo texto versando sobre um tema que hoje é tabu entre os políticos e, mais ainda pelo comentário que vc fez em meu artigo de O Globo "Favelas um mal necessário, mas que tem cura".
Muito obrigado amigo e mais uma vez parabéns.
Almir da Silva Ramos